Mensagem de sua santidade Papa Francisco para o XXXII dia mundial do enfermo
Desde o início, Deus, que é amor, criou o ser humano para a comunhão, inscrevendo no seu íntimo a dimensão das relações, já no primeiro homem ao inspirar o sopro divino, o ser humano começa a respiração, um intercâmbio de vida com quem lhe adveio de fora e está nele hospedado, mas sem se confundir ou misturar, estabelecendo assim uma relação, um diálogo vital. Deste modo, a vida do homem e da mulher é plasmada á imagem da Trindade, é chamada a realizar-se plenamente no dinamismo das relações, da amizade e do amor mútuo. Este projeto de comunhão está inscrito profundamente do coração humano, já a experiência do abandono e da solidão atemoriza-nos e olhamo-la como dolorosa e até desumana, isso exacerba-se em tempos de fragilidade, por vezes no envelhecimento ou no aparecimento de doenças graves. [1]
A tragédia da pandemia da Covid – 19 elucidou cruelmente esta realidade da solidão: pacientes que não podiam receber visitas, mas também médicos, pessoal da enfermagem e outros profissionais da saúde, sobrecarregados de trabalho e confinados em repartições isoladas, que além de complicar o quadro de muitos enfermos, potencializou graves problemas de saúde mental e física em profissionais de saúde, cujos danos ainda enfrentamos. E não esqueçamos quantos tiveram de enfrentar sozinhos a hora da morte, assistidos pelos profissionais de saúde, mas longe de suas famílias. [1]
A senilidade e o tempo da doença são vividos frequentemente na solidão e, por vezes, até no abandono porque por vezes nos é difícil reconhecer o valor da vida própria e alheia, consequência sobretudo da cultura do individualismo que induz a ver nos outros um limite e ameaça a própria liberdade. Na raiz dessa atitude está “um neopelagianismo em que o homem, radicalmente autônomo, pretende salvar-se a si mesmo sem reconhecer que ele depende, no mais profundo do seu ser de Deus e dos outros; também um certo neognosticismo que apresenta uma salvação meramente interior, fechada no subjetivismo, que espera a libertação da pessoa dos limites do seu corpo, sobretudo quando é frágil e doente.” [2] Tudo isto corrobora com a cultura do descarte que sentencia “ainda não servem” (como os nascituros) ou “já não servem” (como os idosos ou gravemente enfermos). Esta lógica permeia infelizmente certos governos e opções políticas, que não respeitam á dignidade da pessoa humana com as suas carências e não proporcionam estratégias e recursos necessários para garantir a todo ser humano o direito primordial á vida e a saúde. [3]
Ao retornarmos á frase que norteia esta meditação: “não é conveniente que o homem esteja só” (Gn 2, 18) seu contexto é a criação, Deus a pronuncia revelando o profundo significado de seu projeto para a humanidade, porém o pecado interfere neste belo projeto, gerando suspeitas, competições, divisão e consequentemente isolamento, de modo que o homem só não é projeto de Deus, mas um desvio de rota. O pecado atinge a pessoa em todas as relações: com Deus, consigo mesma, com o outro, com a criação. Assim ofusca o significado da existência pois fere a dimensão relacional indispensável para a plenitude humana. [1]
O primeiro cuidado que necessitamos na doença é uma proximidade cheia de compaixão e ternura. Olhemos para o ícone do Bom Samaritano (cf. Lc 10, 25-37) nele contemplamos a sua capacidade de compaixão que estabelece um diálogo de amor e ternura com aquele que se encontra em uma situação crítica, assim trata as feridas do irmão que sofre. Devemos nos recordar que viemos ao mundo porque alguém nos acolheu, somos feitos para o amor e chamados a vive-lo na comunhão e na fraternidade, no tempo da doença e da fragilidade esta é a primeira terapia que devemos adotar para ser corresponsáveis no processo de cuidado e cura, á exemplo de Jesus, médico de corpos e de almas, possamos cooperar para contrastar a cultura do individualismo, da indiferença, do descarte e fazer crescer a cultura da ternura e da compaixão.
[1] Francisco. Mensagem de sua santidade Papa Francisco para o XXXII dia mundial do enfermo (10 de janeiro de 2024)
[2] Congregação para a Doutrina da Fé. Carta Samaritanus Bonus (14 de julho de 2020)
[3] Francisco. Carta encíclica Fratelli tutti (03 de outubro de 2020)